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ENEM 2013 - FILOSOFIA - questões comentadas

CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS.
CADERNO AZUL
QUESTÃO 27 cita o seguinte trecho do tratado “A Política”, de Aristóteles:
“A felicidade é, portanto, a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo, e esses atributos não devem estar separados como na inscrição existente em Delfos: ‘das coisas, a mais nobre é a mais justa, e a melhor é a saúde; porém a mais doce é ter o que amamos’. Todos esses atributos estão presentes nas mais excelentes atividades, e entre essas a melhor, nós a identificamos como felicidade.” (ARISTÓTELES, A Política. São Paulo: Cia das Letras, 2010).
Em seguida, questiona:
Ao reconhecer na felicidade a reunião dos mais excelentes atributos, Aristóteles a identifica como
a) Busca por bens materiais e títulos de nobreza.
b) Plenitude espiritual e ascese pessoal.
c) Finalidade das ações e condutas humanas.
d) Conhecimento de verdades imutáveis e perfeitas.
e) Expressão do sucesso individual e reconhecimento público.
Ora, qualquer um que já tenha lido pelo menos o começo do tratado “A Política” ou da “Ética a Nicômaco” certamente está farto de saber que o interesse de toda filosofia prática de Aristóteles é teleológico, ou seja, pergunta pelo fim (finalidade) das ações e condutas humanas. A resposta correta para essa questão é, portanto, a alternativa “c”.
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Há outra questão (10, no caderno azul) que cita o seguinte trecho da obra “O Príncipe”, de Maquiavel:
“Nasce daqui uma questão: se vale mais ser amado que temido ou temido que amado. Responda-se que ambas as coisas seriam de desejar; mas porque é difícil juntá-las, é muito mais seguro ser temido que amado, quando haja de faltar uma das duas. Porque dos homens se pode dizer, duma maneira geral, que são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos de lucro, e quanto lhes fazem bem são inteiramente teus, oferecem-te o sangue, os bens, a vida e os filhos, quando, como acima disse, o perigo está longe; mas quando ele chega, revoltam-se.” (MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991.)
Em seguida, questiona:
A partir da analise histórica do comportamento humano em suas relações sócias e políticas, Maquiavel define o homem como um ser
a) Munido de virtude, com disposição nata a praticar o bem a si e aos outros.
b) Possuidor de fortuna, valendo-se de riquezas para alcançar êxito na política.
c) Guiado por interesses, de modo que suas ações são imprevisíveis e inconstantes.
d) Naturalmente racional, vivendo em um estado pré-social e portanto seus direitos naturais.
e) Sociável por natureza, mantendo relações pacíficas com seus pares.
Para resolver essa questão não é preciso ter lido “O Príncipe”. Não é preciso nem mesmo ter algum dia ouvido falar desta obra ou mesmo de um tal Maquiavel. Exceto para analfabetos funcionais, o trecho citado no enunciado entrega a resposta certa: novamente alternativa “c”.
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Há outra questão (22, no caderno azul) que cita o seguinte trecho da obra “Do espírito das leis”, de Montesquieu:
“Para que não haja abuso, é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o poder de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos. Assim, criam-se os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, atuando de forma independente para a efetivação da liberdade, sendo que esta não existe se uma mesma pessoa ou grupo exercer os referidos poderes concomitantemente.” (MONTESQUIEU, B. Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1979).
Em seguida, questiona:
A divisão e a independência entre os poderes são condições necessárias para que possa haver liberdade em um Estado. Isso pode ocorrer apenas sob um modelo politico em que haja
a) Exercício de tutela sobre atividades jurídicas e politicas.
b) Consagração do poder politico pela autoridade religiosa.
c) Concentração do poder nas mãos de elites técnico-cientificas.
d) Estabelecimento de limites dos atores públicos e às instituições do governo.
e) Reunião das funções de legislar, julgar e executar nas mãos de um governante eleito.
Ora, um governante (ou governo) que detivesse para si os três poderes citados estaria acima da lei, haja vista a inexistência de competências políticas que fiscalizassem suas decisões e ações. A humanidade experimentou por muitos séculos esse tipo de política (monarquias, absolutismos, ditaduras, etc.). Montesquieu defende que, somente havendo a divisão dos três poderes, é possível que eles se fiscalizem mutuamente, evitando abusos e impondo limites uns aos outros. Para que a justiça e a liberdade sejam garantidas, é preciso que toda forma de poder político seja limitada. Portanto, a resposta correta é a alternativa “d”.
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Há outra questão (15, no caderno azul) que cita o seguinte trecho do “Prefácio à Crítica da Economia Política”, de Marx:
“Na produção social, os homens entram em determinadas relações indispensáveis e correspondem a um estágio definido de desenvolvimento das suas forças materiais de produção. A totalidade dessas relações constitui a estrutura econômica da sociedade – fundamento real, sobre o qual se erguem as superestruturas política e jurídica, e ao qual correspondem determinadas formas de consciência social.” (MARX, K. Crítica da Economia Política. In: MARX, K; ENGELS, F. Textos 3. São Paulo: Edições Sociais, 1977).
Em seguida, questiona:
Para o autor, a relação entre economia e política estabelecida no sistema capitalista faz com que
a) O proletariado seja contemplado pelo processo de mais-valia.
b) O trabalho se constitua como o fundamento real da produção material.
c) A consolidação das forças produtivas seja compatível com o progresso humano.
d) A autonomia da sociedade civil seja proporcional ao desenvolvimento econômico.
e) A burguesia revolucione o processo social de formação da consciência de classe.
Em outras palavras, Marx está falando de trabalho. Quando ele diz “produção social”, “relações de produção” ou “forças materiais de produção”, está falando do trabalho. Logo, a alternativa correta é a “b”.
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Há outra questão (04, no caderno azul) que cita dois textos sobre o método e o projeto da filosofia cartesiana. O primeiro é do próprio Descartes e está logo nas primeiras linhas das suas meditações metafísicas. O segundo é um comentário do professor Dr. Franklin Leopoldo e Silva (USP).
TEXTO I
“Há algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto. Era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente a fim de estabelecer um saber firme e inabalável.” (DESCARTES, R. Meditações concernentes À Primeira Filosofia. São Paulo, Abril Cultural, 1973).
TEXTO II
“É o caráter radical do que se procura que exige a radicalização do próprio processo de busca. Se todo o espaço for ocupado pela duvida, qualquer certeza que aparecer a partir daí terá sido de alguma forma gerada pela própria duvida, e não será seguramente nenhuma daquelas que foram anteriormente varridas por essa mesma dúvida.” (SILVA, F.L. Descartes: a metafisica da modernidade. São Paulo: Moderna, 2001).
Em seguida, questiona:
A exposição e a análise do projeto cartesiano indicam que, para viabilizar a reconstrução radical do conhecimento, deve -se
a) Retomar o método da tradição para edificar a ciência com legitimidade.
b) Questionar de forma ampla e profunda as antigas ideias e concepções.
c) Investigar os conteúdos da consciência dos homens menos esclarecidos.
d) Buscar uma via para eliminar da memória saberes antigos e ultrapassados.
e) Encontrar ideias e pensamentos evidentes que dispensam ser questionados.
Devo confessar que meus olhos quase encheram d’água quando vi esse texto de Descartes no ENEM; afinal de contas, este é o meu livro de cabeceira. Aproveito para indicar-lhe a leitura, pois, apesar de ser um texto de filosofia, sua leitura não é pesada e erudita em demasia, como costumam ser tais textos. Pelo contrário, a leitura das meditações de Descartes é altamente agradável e, principalmente, edificante (com o trocadilho cartesiano). Mas vamos ao que interessa: está correta a alternativa “b”.
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Finalmente, há uma questão (36, no caderno azul) que cita o seguinte trecho da obra “Crítica da Razão Pura”, de Kant:
“Até hoje admitia-se que nosso conhecimento se devia regular pelos objetos; porém, todas as tentativas para descobrir, mediante conceitos, algo que ampliasse nosso conhecimento, malogravam-se com esse pressuposto. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento.” (KANT, I. Crítica da Razão Pura. Lisboa: Calouste-Gulbenkian, 1994).
Em seguida, questiona:
O trecho em questão é uma referência ao que ficou conhecido como revolução copernicana na filosofia. Nele confrontam-se duas posições filosóficas que
a) Assumem pontos de vista opostos acerca da natureza do conhecimento.
b) Defendem que o conhecimento é impossível, restando-nos somente o ceticismo.
c) Revelam a relação de interdependência entre os dados da experiência e a reflexão filosófica.
d) Apostam, no que diz respeito às tarefas da filosofia, na primazia das ideias em relação aos objetos.
e) Refutam-se mutuamente quanto à natureza do nosso conhecimento e são ambas recusadas por Kant.
Nesse trecho, Kant propõe a inversão de um pressuposto assumido pela tradição. Para a tradição filosófica até Kant, nós (sujeito) deveríamos nos regular pelas coisas (objeto) para poder conhecê-las. A proposta de Kant é que as coisas (objeto) é que devem se regular pela nossa cognição (sujeito). Você não precisa entender o que isso significa. Basta notar o óbvio: essas duas posições “assumem pontos de vista opostos acerca da natureza do conhecimento”. Portanto, a resposta certa é a alternativa “a”.

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